quinta-feira, abril 27, 2006

O Saguão

Zraninsk e Maren caminharam por um grande corredor, onde somente duas portas existiam. Uma, de onde vieram, e outra, para onde iam. O sr. Moreau, diretor técnico da MagnaNet, caminhava à frente. Seus passos eram rápidos e ele manuseava freneticamente um cartão magnético, fazendo-o passar de dedo em dedo. Zraninsk sutilmente esbarra em Maren e indica com um olhar as mãos nervosas do homem à frente deles.

Maren, um veterano na Agência, já havia notado. O nervosismo indicava que as palavras diretas dele surtiram efeito no diretor. Atentando para o caminhar rápido do diretor, Maren também percebeu que ele queria que os inspetores saíssem logo dali, e, por isso, apressava-se em levá-los onde queriam, para que quando mais cedo chegassem, mais cedo saíssem. Bem, isso é o que, pelo menos, esperava o diretor Moreau.

Quando chegaram finalmente até a porta, o sr. Moreau passou o cartão num dispositivo de segurança e a trava foi liberada. A grande porta se abriu e, logo após o primeiro jogo de escadas rolantes, os inspetores se surpreenderam com o que viram. Um grande saguão, realmente enorme. Grandes máquinas muito bem refrigeradas estavam ligadas e uma série de funcionários fazia um trabalho de observação nos medidores de cada uma. Estavam atentos às pranchetas eletrônicas que carregavam, conectadas às máquinas gigantes. Dali, destas pranchetas, mantinham o sistema da Rede VI funcionando. Os inspetores caminharam por uma plataforma que circundava todo o saguão. Dali viram que eram quase trinta corredores, dispostos de maneira circular, que se encontravam no centro do saguão, onde havia uma sala com paredes negras e uma única porta vermelha. Lá, ao centro dos corredores, estava o cérebro do mainframe. Apenas um terminal ligava qualquer um a qualquer lugar mantido pela ou na Rede VI.

Os funcionários, vestidos com uniformes brancos e máscaras de gás (para evitar problemas com um acidental vazamento do gás refrigerador) pareciam outras máquinas. Seus movimentos eram sutis e metódicos, quase maquínicos. Lá de baixo, um deles, com um símbolo diferente no uniforme, percebeu a entrada dos inspetores e do sr. Moreau e veio logo em direção a eles.

- "Como vão senhores? Algum problema sr. Moreau?" - aproximou-se retirando a máscara e o capuz, cumprimentando-os todos com um forte aperto de mãos.

- "Sr. Coddans, estes são os inspetores da Agência de Repressão ao Ciberterrorismo. Inspetor Zraninsk e Inspetor Maren. Vieram dar uma verificada nos nossos computadores e..." - antes que o sr. Moreau terminasse de falar o inspetor Maren interferiu.

- "É um prazer conhecê-lo, sr. Coddans. Na verdade eu e meu parceiros não viemos apenas 'dar uma verificada' nas máquinas. Viemos conhecê-las. Analisar cada uma das estruturas que mantém a Rede VI funcionando. Percebemos uma máscara nos nós de conexão que apontava para uma rede beta. O sr. Moreau nos informou que de fato há realmente uma rede beta, uma espécie de backup. A existência dessa rede é legal, mas seu funcionamento simultâneo com a outra não é. Mas já que os ataques aconteceram, suspeitamos que alguém teve acesso à rede beta e dela fez o ataque." - O inspetor Maren falava com clareza e saboreava cada uma das palavras. Sua precisão na utilização delas assustava e nenhuma falha em suas frases poderia incomodar. Não havia duplo sentido ou erros de sintaxe.

- "Bem inspetor. Realmente a rede beta foi ligada quando percebeu a duplicação inicial de alguns nós. Ela é mantida em stand by mas possui sensores na rede alfa. Qualquer anormalidade a ativa instantaneamente." - Coddans parecia ter decorado sua fala, como se fosse um guia turístico. Isso incomodava Maren. - "Além disso, o inspetor deve saber que as novas regulamentações da ARC permitem a manutenção simultânea de uma rede beta, somente não permite que ela esteja simultaneamente conectada à outra. Outro ponto que acho que deveria saber é..." - Maren interferiu na fala do funcionário rapidamente.

- "Com todo respeito sr. Coddans, não creio que seja necessário alertar-me sobre as normatizações e burocracias da ARC." - afirmou com certo desdém.

- "E por que o sr. acha que não, inspetor?" - retrucou Coddans de maneira inquisitória. Sua mão esquerda fechada e firme indicava tensão. A outra estava ocupada retirando o telefone celular do bolso da calça, por dentro do uniforme.

- "Por que eu fui o consultor geral da ARC quando escreveram essas normas. De maneira mais clara, eu as finalizei." - o inspetor respondeu passando pelo sr. Coddans, apoiando-se no parapeito de metal, fixando seus olhos nas paredes negras ao centro do saguão. - "Acho melhor o sr. Coddans nos levar até onde desejamos, sr. Moreau." - falou voltando-se para trás, chamando Zraninsk que apenas aguardava calado, segurando uma risada sarcástica pela qual Coddans pagaria alto para não ter que ouvir.

- "Certamente, inspetor. Certamente." - respondeu com voz baixa, quase arrancada por entre os dentes, rangentes de raiva. - "Coddans, acompanhe os inspetores. Mostre-os todo o saguão."

quarta-feira, abril 26, 2006

Controle Total

- "Pai!!! O que aconteceu com a tela?" - gritava o garoto enquanto manuseava os dedos pelo sensor plasma. - "Não consigo acessar nenhum link!" - repetia deslizando os dedos sobre o sensor, navegando pela página web aberta.

Quando o pai chegou no quarto e percebeu a mensagem na tela, rapidamente correu para a tomada e desligou todo o computador. O site estava travado e uma janela de alerta havia sido aberta com os seguintes dizeres: "Informação não é moeda de troca, é liberdade e direito. Você foi recrutado!" A mensagem por si só já era assustadora, mas o temor maior vinha logo abaixo do texto, em uma imagem pequena e simples, na verdade, uma sigla estilizada. A sigla era NFF.

- "O que é NFF, pai?"
- "Nada meu filho. Você é muito novo para entender esses loucos que vivem por aí. Amanhã vamos comprar uma vacina pra nossa máquina. Até lá acho melhor manter o computador desligado, ok?"

O garoto se chamava Marco Fuentes, tinha 13 anos. Nascido e criado no mundo conectado. Aprendeu a ler bem antes dos outros meninos. Aos 12 anos já havia feito seu primeiro site, algo não muito diferente para sua idade. Mas a questão é que o site que ele desenvolveu tinha uma estrutura de programação sofisticada demais para sua idade. Coisa que alguns bons universitários ainda estavam aprendendo.

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- "Eu entendo, sargento. Mas fico preocupado. Marco é viciado em Rede. Entendo. Sim. Sim. Gostaria que viesse aqui analisar a segurança da máquina. Sério? Então creio que é melhor. O senhor tem o telefone? Ótimo... É de graça mesmo? Só entregar a máquina e apresentar o boletim de ocorrência? Ótimo. Muito obrigado."

O pai vai ao quarto do filho, desliga a máquina e empacota. O garoto estava na aula. Chegaria só à noite. Era o momento ideal, e, pensava o pai, menos doloroso.

Passados alguns minutos após um telefonema feito à MagnaNet Secure Service, a campanhia tocou. Eram dois homens, com uniformes azúis, usando bonés com a logomarca da MagnaNet.

- "Boa tarde. O sr. deve ser o sr. Carlos Fuentes, certo? Pode nos mostrar uma identificação?" - antes que o pai colocasse a identidade de volta no bolso o homem pediu para apanhar a máquina. O pai entregou a caixa. Quando já se despedia deles o outro se aproximou. - "Sr. Fuentes. É exigido pela empresa que façamos uma verificação da linha de conexão da sua casa. O sr. é integrado à Rede..." - "Quatro, cinco e seis." - completou o pai rapidamente. - "Certo. Posso fazer a verificação. Não demoro mais que três minutos. Prometo. É rotina da empresa." - afirmou o homem entrando na casa. - "Claro. Vamos até o quarto dele... Ah.. aqui está o boletim de ocorrência."

Os três subiram a escadaria. Ao entrarem no quarto do menino, o mais alto foi até a saída de conexão na parede. Retirou da maleta um aparelho pequeno e prateado. Desparafusou o conector das redes e começou a mexer. Quando o pai se aproximava para acompanhar, o outro homem o chamou de volta. - "Sr. Carlos. O seu filho tem 12 anos, correto? Ele tem algum comportamento estranho ou costuma ser curioso em relação à Rede? Pergunto isso porque tal tipo de pessoa pode se envolver, inocentemente, em confusões na Rede... Seduzidos pelas ferramentas que existem por aí, muitos garotos com a idade dele perturbaram a ordem na Rede e seus pais tiveram que pagar multas altíssimas."

O pai ficou preocupado. Mas preferiu omitir o fato da genialidade de seu filho ter sido alvo de séria investigação por parte de membros da conceituada A.R.C. e do Departamento de Defesa Digital. - "Acho que não. Ele usa para ter aulas, jogar com os amigos e conversar com outras pessoas." - O homem falou olhando em seus olhos. - "O sr. sabe que pessoas são essas?" - O pai ficou aborrecido e respondeu sério, com voz autoritária. - "Eu não vigio meu filho." -"Pois devia!" - respondeu o homem ironicamente. - Quando o pai se aproximou mais para dar uma resposta à altura, o outro homem se aproximou e informou ter terminado o serviço. Havia trocado os conectores por outros mais atualizados. Ainda, antes de sairem da casa, entregaram um documento para o Sr. Fuentes, informando que devido ao incômodo a MagnaNet daria, como cortesia e pedido de desculpas, dois meses de conexão às redes usadas. Sem custo algum.

A preocupação do pai acabou rapidamente e ele, logo que fechou a porta, ligou para o número do documento e informou a senha. A telefonista informou que sua nova máquina chegaria em um dia útil e que, a partir de seu primeiro acesso, dois meses seriam contados como acesso gratuito. O Sr. Fuentes ficou realmente feliz. Agradeceu e se sentiu satisfeito com a qualidade inquestionável dos serviços da MagnaNet.

segunda-feira, abril 03, 2006

Crônica: A Rede VI

-"Esta quinta-feira começa com o desligamento geral de 75% dos nós e servidores de conexão integrados à Rede VI. As autoridades informaram que tal desligamento se deve a uma ação de segurança para evitar a queda geral da Rede. Aparentemente, o criminoso virtual conhecido pelo apelido de Bit, membro da organização terrorista NFF, Net For Freedom, assumiu os ataques. O repórter..."

Outro dia tenso no ano 2333. Quando os ataques na rede acontecem o mundo corre risco de parar por um instante. Este "instante" pode ser bloqueio de vôos, erros em servidores bancários, roubo de informações codificadas, quedas nas bolsas de valores. Por sorte, as Redes V, VI e VII são destinadas exclusivamente ao tráfego de usuários e recursos voltados para o público em geral. Para a sorte das empresas claro... E azar dos usuários normais, que ainda lêem emails, conversam com familiares e navegam pelas Redes. Aliás, é a primeira vez que um grupo realmente organizado, como a NFF, ataca uma Rede de usuários comuns. E, por incrível que pareça, tal ataque deixou as autoridades realmente preocupadas.

Na sala principal de reuniões do edifício-fortaleza da MagnaCorp., o inspetor Maren aguarda um representante da corporação. Enquanto espera para solicitar acesso ao servidor da Rede VI, Maren se deslumbra com a fabulosa mesa de vidro escuro, e com seus 50 lugares. Ao lado de Maren, de pé atrás de sua cadeira, está o programador e inspetor Zraninsk. Uma porta no fundo da grande sala se abre. Um homem de baixa estatura e careca, usando um óculos de armação redonda e vestindo um jaleco de cientista se apresenta.

-"Boa tarde senhores. Gostaria de agradecer pela rapidez em antender nosso chamado. Falo em nome da MagnaNet. A partir de agora sou o único a responder suas perguntas. Espero que sua Agência tenha muitas perguntas, mas, de fato, antes de tudo, estou interessado em suas respostas. Meu nome é Godfred Moureau, diretor técnico da MagnaNet. Podemos começar..."

Maren e Zraninsk eram, talvez, os melhores agente em atividade da Agência de Repressão ao Ciberterrorismo, a ARC. Estavam ali, na verdade, não apenas porque um megacorporação os havia "convocado", mas também porque a ARC tinha especial interesse em ter acesso aos servidores da MagnaNet. Os ataques terroristas à corporação podiam ser atos espontâneos contra os grandes mantenedores do "sistema", mas, talvez pudessem ter um fundo de verdade. A MagnaNet apenas oferece o acesso à Rede VI, ou também o controla e vigia?

Algumas fontes haviam informado que a Rede VI era, para a MagnaCorp., um propriedade particular, e não uma concessão pública. Essas fontes, antes de revelarem as informações, pediram para entrar para o Programa de Proteção à Testemunha, de seus respectivos países. Informação controlada e orientada. Este crime está especificado como "crime contra a humanidade" na Constituição das Redes, de 2297. Sobravam denúncias, faltavam provas.

-"Sr. Moureau. Eu sou o inspetor Maren e este é meu parceiro, inspetor Zraninsk. As respostas que espera de nós talvez não satisfaçam sua expectativa. Bit, o terrorista confesso de tais ataques, não foi encontrado e as pistas que deixou foram metodicamente estudas por ele mesmo. Resumindo, ele planejou tudo com maestria e ainda estamos procurando brechas em seus passos. Mas, aproveitando o assunto, gostaria que confirmasse para mim a não existência de uma rede paralela à Rede VI. Uma tal Rede VI Beta." - os olhos de Moureau perderam o brilho que lhes conferia alguma autoridade. Talvez a direta de Maren o pegara desprevinido. Ele respirou fundo e tirou alguns papéis da pasta que seu assitente carregava.

-"Senhores. A MagnaNet mantém, de fato, uma Rede Beta para atividades de manutenção e segurança. A rede nada mais é que um backup da Rede VI. Um "mirror", se me compreendem. Mas não entendo o que isso tem de importante em relação aos prejuízos bilionários que a MagnaNet poderia ter sofrido com os ataques deste criminoso."

-"A verdade, Sr. Moureau, é que suspeitamos que ele tenha acesso à Rede Beta, pois, em nossos rastreamentos na Rede, os nós de onde surgiram os primeiros ataques são os mesmos atacados. Como isso pode funcionar? A Rede Beta é mantida ligada continuamente? Quem pode acessá-la? Quem tem acesso a o quê, sr. Moureau?"

Maren foi direto mais uma vez. Sua voz era alta e forte. Suas perguntas claras e objetivas. Ele conduzia a investigação de maneira a intimidar até mesmo quem prestava a queixa. Maren era perito nisso e, de fato, poucos se igualavam à sua habilidade de arrancar informações.

(continua)